sábado, 8 de outubro de 2011

O anarquismo

É verdade que a sociedade e suas convenções originam injustiças e desigualdade. Pois, afinal, o que é que se vê no mundo? Um nasce filho de um milionário, outro mal tem o que comer. Um nasce conde ou marquês, e tem o respeito de todo mundo, faça o que fizer, outros não tem condições de estudar, instruir-se – tornar-se mais lúcidos e inteligentes do que os outros.

As injustiças da natureza, vá: já não as podemos evitar. É normal que um nasça mais talentoso, forte ou bonito, e deve-se aceitar que, por esta ou aquela qualidade, ele seja superior pelo que a Natureza lhe deu. Mas por que submeter-se as qualidades postiças? Por que aceitar que uma pessoa tenha a riqueza, a posição social ou a vida facilitada, que só existe a custas de muita miséria? O anarquismo quer, em suma, evitar tudo isso.

A primeira ficção a ser destruída seria o Estado. Pois, enquanto ele existir, existirá o povo que só busca ser representado por legendas que inserem a dissonância sobre atos e fatos, mas que deveriam tornar a sociedade una e bem menos desigual. Assusta-me a burrice crônica exacerbadora da pseudocrítica às políticas plausíveis e viáveis do ponto de vista racional e humanismo por ter sido pensada pelo lado oposto da moeda.

Incapazes que são se enxergar enquanto parte do todo, negam que a vida em sociedade não se constitui sem a empatia e o respeito mútuo. No modelo anarquista, as relações mútuas sociais seriam regidas não por leis ou por autoridades auto-impostas ou eleitas, mas por mútua concordância de todos os seus interesses e pela soma de usos e de costumes sociais.

Porém, o único problema está na sua viabilidade. Primeiramente, como seria a transição da sociedade para este modelo? Esse intermédio só pode ser, portanto, um estado de preparação da sociedade para a sociedade livre. Pode ser material, ou apenas mental.

No campo da adaptação material, haveria a ditadura revolucionária. Porém, um regime revolucionário, enquanto existe, e seja qual for a idéia a que o conduz, é materialmente só uma coisa – um regime revolucionário. Ora, um regime revolucionário quer dizer uma ditadura de guerra, ou, nas verdadeiras palavras, um regime militar despótico, porque o estado de guerra é imposta à sociedade por uma parte dela – aquela que assumiu o poder. De modo que o que sai de uma ditadura revolucionária é uma sociedade guerreira do tipo ditatorial. O que saiu da Revolução Francesa? Napoleão e seu despotismo militar. O que saiu das agitações políticas em Roma? O império romano e seu despotismo militar.

Pois o que sobra é a transição mental: uma propaganda intensa, completa, absorvente das idéias do anarquismo. Ou seja, realização de cursos, palestras, debates, conferências, páginas na internet, e-mail, teatro, boletins, jornais, músicas, atos públicos, etc. Porém, a propaganda nos diz num âmbito teórico. Não significa que, necessariamente, as pessoas irão se organizar e lutar. Hoje, os grandes meios de comunicação e mesmo o crescimento das cidades, a fragmentação comunitária, o fundamentalismo religioso, dentre outros fatores, dificultam muito a propaganda em escala massiva. Lembro que, mesmo quando a propaganda anarquista, era muito forte, a transformação social não foi garantida.

E além do mais, o que um sujeito, sincero em seu anarquismo, poderia fazer, sozinho, para esse fim, que seria a sociedade livre? Só por ele, não poderia fazer a revolução mundial, nem mesmo poderia fazer a revolução completa na parte referente ao país onde estava. Como combateria as injustiças sociais enquanto esse fim ainda não tenha sido alcançado? Não crê em nada que não seja natural, porém a idéia de “dever” era natural? Não é, pois esta idéia obriga-nos a sacrificar os seus instintos naturais, como a comodidade e o instinto de conservação.

Para, sozinho, escapar da mais importante das ficções sociais: o dinheiro, tornando-se livre da sua influência, da sua força, subjugando-o e reduzindo-o a inatividade, teria que satisfazer uma dessas duas hipóteses: ou ia pro campo comer raízes e beber água das nascentes, andar nu e viver como um animal, mas isso não seria combater, e sim, fugir do problema. Realmente, quem se esquiva de um combate não é derrotado por ele. Mas moralmente, é derrotado, porque não se bateu. Ou então, adquiria o dinheiro em quantidade bastante para não sentir a influência. Porém, sabe-se que a riqueza só existe em custas de muita miséria. E isso seria, claramente, uma prática egoísta, pois se adquire capital em busca de livrar-se da sua influência, mas com isso, ao adquirir mais do que o necessário para si, e não doá-lo para que outras pessoas possam usufruir do mesmo bem, não estaria combatendo as ficções sociais, mas fortalecendo-as. Ora, como disse no começo, a riqueza e a posição social são qualidades postiças e antinaturais.

"Mesmo uma sociedade de formigas, abelhas e chimpanzés há uma norma vigente, cada individuo tem um papel social e trabalha para a comunidade, depois para o próprio bem. Se os humanos não tivessem leis, grupos pequenos se reuniriam buscando a defesa em comum e elegeriam um patrono que tomasse conta deles, ou seja, depois do anarquismo viria o feudalismo, depois a noção do Estado e ficaríamos nessa roda."


Bibliografia:

O Banqueiro Anarquista - Fernando Pessoa;

Algumas Condições da Revolução - Mikhail Bakunin

@diogo (formspring)